Cláusula de efeito suspensivo na incorporação imobiliária

Entenda a cláusula de efeito suspensivo (prazo de carência de 180 dias) e seu papel estratégico na Lei 4.591/64. Descubra como esse mecanismo permite ao incorporador avaliar a viabilidade do projeto (vendas/financiamento) e protege o comprador, garantindo o correto tratamento jurídico e contábil (IN 84/79) dos valores recebidos.

Por Matheus
10/11/2025

No cenário da construção civil e do mercado imobiliário brasileiro, a incorporação imobiliária é um processo complexo, que envolve múltiplos agentes, grandes volumes de recursos e riscos consideráveis. Para lidar com essas incertezas, a legislação prevê mecanismos que conferem segurança jurídica tanto ao incorporador quanto aos adquirentes das unidades, caso as coisas não aconteçam conforme planejado. Entre esses mecanismos, destaca-se a chamada cláusula de efeito suspensivo, também conhecida como prazo de carência.

Embora o termo “efeito suspensivo” não esteja expresso na Lei 4.591/64, ele é amplamente utilizado no mercado para se referir ao período em que a efetivação da incorporação e dos contratos de compra e venda está condicionada ao cumprimento de determinadas condições, como metas de vendas ou aprovação de financiamento bancário. Neste artigo, vamos explorar em detalhes o funcionamento dessa cláusula, suas implicações jurídicas, contábeis e práticas, e como ela impacta o dia a dia de incorporadores, compradores e demais agentes do setor.

O que é a cláusula de efeito suspensivo na incorporação?

A cláusula de efeito suspensivo, na prática, refere-se ao prazo de carência previsto no artigo 34 da Lei 4.591/64. Trata-se de um período, limitado a 180 dias e improrrogável, durante o qual o incorporador pode desistir do empreendimento, mesmo que já tenha comercializado algumas unidades. Essa possibilidade existe para que o incorporador possa avaliar a viabilidade do projeto diante de condições de mercado, aprovação do empreendimento junto a alguma instituição financeira, obtenção de licenças, atingimento de metas de vendas ou outros fatores críticos para o sucesso do empreendimento.

Durante esse prazo, a incorporação ainda não é definitiva. Os contratos de compra e venda firmados nesse período possuem eficácia suspensa, ou seja, sua efetivação está condicionada à não desistência do incorporador. Caso as condições estipuladas não sejam atingidas, o incorporador pode, de forma lícita, optar por abortar o empreendimento, desde que siga rigorosamente as regras previstas em lei.

O funcionamento da cláusula de efeito suspensivo começa já no registro da incorporação. O incorporador, ao protocolar o memorial de incorporação no Cartório de Registro de Imóveis, pode declarar a existência do prazo de carência e as condições que autorizam a desistência do empreendimento. Essas condições podem incluir, por exemplo:

  • Atingimento de uma meta mínima de vendas de unidades;
  • Aprovação de financiamento bancário, como junto à Caixa Econômica Federal;
  • Obtenção de licenças ambientais ou alvarás de construção;
  • Outras condições específicas do projeto.

Durante o prazo de carência, que não pode ser superior a 180 dias, o incorporador pode comercializar unidades, firmando contratos de promessa de compra e venda com os adquirentes. No entanto, esses contratos devem conter cláusula expressa informando que sua eficácia está suspensa até o término do prazo de carência, e que poderão ser resolvidos caso o incorporador exerça o direito de desistência. Ou seja, os compradores devem estar cientes que estão adquirindo as unidades dentro da janela de efeito suspensivo.

É fundamental que todas as condições estejam claramente definidas no registro de incorporação e nos contratos, garantindo transparência e segurança para todas as partes envolvidas.

Durante a janela de efeito suspensivo, tanto o incorporador quanto os adquirentes possuem direitos e deveres específicos. O incorporador tem o direito de desistir do empreendimento, desde que respeite as condições e prazos estabelecidos. Por outro lado, os adquirentes devem ser informados de forma clara e inequívoca sobre a existência do prazo de carência e as consequências da desistência.

Segundo interpretações do Código de Defesa do Consumidor, durante o prazo de carência, o adquirente também pode rescindir unilateralmente a promessa de compra e venda, dentro do mesmo prazo e condições que ao incorporador é permitido desistir da incorporação. Isso reforça a necessidade de transparência e equilíbrio nas relações contratuais.

Caso o incorporador decida pela desistência, a lei exige que a decisão seja comunicada por escrito ao Cartório de Registro de Imóveis e a todos os adquirentes ou candidatos à aquisição das unidades. O descumprimento dessa obrigação pode acarretar responsabilidade civil e criminal para o incorporador.

Além disso, todos os valores pagos pelos compradores devem ser devolvidos, incluindo correções e juros contratuais, conforme previsto nos contratos. A devolução deve ser feita de forma integral e tempestiva, sob pena de sanções legais.

Um dos pontos mais relevantes para incorporadores e contadores é o tratamento contábil e tributário dos valores recebidos durante o prazo de carência. De acordo com a Instrução Normativa da Receita Federal nº 84/79, enquanto perdurar o efeito suspensivo, os valores recebidos dos compradores não devem ser reconhecidos como receita, mas sim registrados no passivo circulante, em uma conta específica de antecipação de clientes.

Isso ocorre porque, durante o prazo de carência, há uma incerteza quanto à efetivação da receita, já que o empreendimento pode ser abortado e os valores devolvidos aos adquirentes. Portanto, não há incidência de tributos sobre esses valores nesse momento.

Somente após o término do prazo de carência, e caso o incorporador opte por seguir com o empreendimento, é que os valores podem ser reconhecidos como receita, aplicando-se o método POC (Percentage of Completion) para o reconhecimento contábil e a tributação correspondente que deve ser feita integralmente no regime de caixa.

O financiamento bancário é um dos fatores que mais influenciam a decisão do incorporador durante o prazo de carência. Instituições como a Caixa Econômica Federal exigem que os efeitos suspensivos da incorporação estejam encerrados antes de liberar recursos para a obra. Isso significa que, enquanto perdurar o prazo de carência, o empreendimento não terá acesso ao financiamento, o que pode ser determinante para a viabilidade do projeto.

Por isso, é comum que o incorporador condicione a efetivação da incorporação à aprovação do financiamento bancário do empreendimento. Caso o financiamento não seja aprovado, o incorporador pode exercer o direito de desistência, evitando riscos financeiros e jurídicos.

Transparência e comunicação com os adquirentes

A transparência é um dos pilares da boa governança na incorporação imobiliária. É fundamental que os adquirentes sejam informados, de forma clara e objetiva, sobre a existência do prazo de carência e as condições que podem levar à desistência do empreendimento.

Essa informação deve constar tanto no registro de incorporação quanto nos contratos de compra e venda. O comprador precisa estar ciente de que está adquirindo uma unidade durante a janela de efeito suspensivo, e que, nesse período, tanto ele quanto o incorporador podem rescindir o compromisso, sem penalidades, desde que respeitadas as condições contratuais.

A comunicação transparente evita conflitos futuros, reduz riscos de judicialização e fortalece a confiança entre as partes.

O que acontece após o prazo de carência?

Encerrado o prazo de carência, e caso o incorporador opte por seguir com o empreendimento, a incorporação se torna definitiva. A partir desse momento, o incorporador perde o direito de desistir e assume a obrigação de executar a obra e entregar as unidades aos adquirentes.

Nesse estágio, o incorporador deve promover a celebração dos contratos definitivos, relativos à fração ideal do terreno, ao contrato de construção e à convenção do condomínio, conforme determina a Lei 4.591/64. Além disso, pode iniciar o reconhecimento das receitas e a tributação dos valores recebidos, de acordo com o método POC e a data-base da concretização dos efeitos suspensivos.

A partir desse ponto, a relação entre incorporador e adquirentes passa a ser regida pelas regras gerais dos contratos de compra e venda, com todas as garantias e obrigações previstas em lei.

A cláusula de efeito suspensivo confere flexibilidade ao incorporador, permitindo que ele avalie a viabilidade do empreendimento antes de assumir compromissos definitivos. No entanto, essa flexibilidade vem acompanhada de responsabilidades significativas.

O incorporador deve agir com diligência e transparência, informando corretamente os adquirentes e cumprindo todas as obrigações legais. O descumprimento das regras pode acarretar responsabilidade civil e criminal, além de danos à reputação da empresa.

Além disso, a devolução dos valores pagos pelos adquirentes deve ser feita de forma integral e tempestiva, incluindo correções e juros previstos em contrato. Qualquer tentativa de reter valores indevidamente pode resultar em ações judiciais e sanções administrativas.

A cláusula de efeito suspensivo, ou prazo de carência, é uma ferramenta estratégica na incorporação imobiliária brasileira. Ela permite que o incorporador avalie a viabilidade do empreendimento diante de condições de mercado, aprovação de financiamentos e outros fatores críticos, sem assumir compromissos definitivos de imediato.

Ao mesmo tempo, protege os adquirentes, garantindo a devolução integral dos valores pagos caso o empreendimento não seja efetivado. Para que esse mecanismo funcione de forma adequada, é fundamental que haja transparência, comunicação clara e cumprimento rigoroso das obrigações legais e contratuais.

No ambiente dinâmico e competitivo da construção civil, a correta utilização da cláusula de efeito suspensivo pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de um empreendimento. Incorporadores, adquirentes, contadores e advogados devem estar atentos a todos os detalhes desse processo, buscando sempre o equilíbrio entre flexibilidade, segurança e responsabilidade.

Se você atua no setor imobiliário, fique atento: a compreensão e aplicação correta desse mecanismo são essenciais para a sustentabilidade e o sucesso dos negócios no mercado brasileiro.

Matheus
CTO da Softnix
Olá! Sou Matheus, co-fundador e diretor técnico da Softnix, que desenvolve e mantém o Arquis ERP. Com mais de 10 anos de expertise na área de incorporação imobiliária e construção civil, trago conteúdos técnicos e curiosidades dos mais variados temas que se relacionam com a Construção Civil, principalmente sobre gestão e tecnologia, e sempre de forma descomplicada e objetiva para gestores, estudantes e trabalhadores da área.