Habitação de Interesse Social: conceito, legislação, desafios e o papel do zoneamento urbano

Saiba como o planejamento urbano deve garantir que os incentivos cheguem, de fato, à população de baixa renda e qual o papel do setor imobiliário e da fiscalização para coibir fraudes e promover a inclusão social nas cidades. Aprofunde-se nas normas e nas práticas necessárias para garantir a função social da moradia no país.

Por Arquis
17/11/2025

A Habitação de Interesse Social (HIS) é um dos temas mais relevantes e sensíveis do urbanismo brasileiro, especialmente em um país marcado por um histórico déficit habitacional e profundas desigualdades sociais. Nós últimos anos, o assunto voltou ao centro do debate público após o Ministério Público de São Paulo iniciar investigações sobre o enquadramento indevido de empreendimentos de alto padrão em bairros nobres, como Itaim Bibi e Pinheiros, como se fossem HIS, mesmo com valores de venda incompatíveis com a categoria. O episódio evidencia a necessidade de compreensão técnica e jurídica sobre o que é, de fato, uma Habitação de Interesse Social, quais são seus objetivos, benefícios, critérios de enquadramento e como ela se relaciona com o planejamento urbano das cidades brasileiras.

O que é Habitação de interesse social?

O conceito de Habitação de Interesse Social foi formalizado pela Lei Federal 11.124/2005, que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). O objetivo central dessa legislação é garantir o acesso à moradia digna para a população de baixa renda, estabelecendo diretrizes nacionais para a formulação de políticas habitacionais. A lei define que a HIS deve ser voltada prioritariamente para famílias que não têm condições de acessar o mercado formal de imóveis, seja por restrições de renda, crédito ou outras barreiras socioeconômicas.

A Política Nacional de Habitação, derivada dessa lei, orienta que os programas e projetos de HIS devem priorizar a redução do déficit habitacional, a regularização fundiária, a urbanização de assentamentos precários e a promoção da inclusão social. No entanto, a operacionalização dessas diretrizes ocorre, na prática, no âmbito municipal, onde cada cidade pode detalhar critérios, faixas de renda e benefícios específicos para o enquadramento de empreendimentos como HIS.

HIS e ZEIS: diferenças e relações

Um ponto fundamental para quem atua no setor imobiliário, urbanístico ou jurídico é distinguir o enquadramento de um empreendimento como Habitação de Interesse Social da delimitação das chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).

As ZEIS são instrumentos de planejamento urbano previstos nos Planos Diretores das cidades e demarcados no zoneamento municipal. Sua função é reservar áreas específicas do território urbano para a implantação de moradias populares, assentamentos precários ou projetos habitacionais destinados à população de baixa renda. Nessas zonas, a legislação costuma flexibilizar regras de uso e ocupação do solo, permitindo, por exemplo, maior adensamento, recuos menores, coeficiente de aproveitamento ampliado e exigências reduzidas de vagas de garagem.

Já o enquadramento de um empreendimento como HIS pode ocorrer tanto dentro quanto fora das ZEIS, desde que o projeto atenda aos critérios estabelecidos pela legislação federal, estadual e municipal. Ou seja, um empreendimento pode ser considerado de interesse social mesmo em áreas de zoneamento misto ou residencial comum, desde que cumpra os requisitos de renda, tipologia e destinação definidos pelo município.

Critérios de enquadramento: renda, tipologia e destinação

Os critérios para enquadramento de um empreendimento como Habitação de Interesse Social variam de cidade para cidade, mas seguem diretrizes gerais estabelecidas pela legislação federal. Em São Paulo, por exemplo, a legislação municipal separa a HIS em duas categorias principais:

HIS 1: destinada a famílias com renda de até 3 salários mínimos;

HIS 2: destinada a famílias com renda de até 6 salários mínimos.

Além disso, na capital paulista, existe a categoria de Habitação de Mercado Popular, voltada para famílias com renda entre 6 e 10 salários mínimos. Essa segmentação busca direcionar políticas públicas e benefícios fiscais de forma mais eficiente, evitando que subsídios e incentivos sejam apropriados por empreendimentos voltados a públicos de maior poder aquisitivo.

Outros critérios comuns para o enquadramento incluem a tipologia das unidades (metragem máxima, número de dormitórios, padrão construtivo), a destinação exclusiva para moradia (vedando usos comerciais ou mistos em determinadas situações) e, em alguns casos, a obrigatoriedade de registro em programas habitacionais públicos.

Benefícios e incentivos para empreendimentos HIS

A principal razão para o interesse de incorporadoras em enquadrar projetos como Habitação de Interesse Social está nos benefícios e incentivos concedidos pelo poder público. Esses benefícios variam conforme o município, mas costumam incluir:

  • Redução de taxas de aprovação: processos de licenciamento e aprovação de projetos HIS costumam ter taxas menores ou até isenção, facilitando o início das obras.
  • Descontos ou carência no IPTU: durante a construção do empreendimento, pode haver isenção ou desconto no Imposto Predial e Territorial Urbano.
  • Descontos ou carência no ISS: o Imposto Sobre Serviços incidente sobre a obra pode ser reduzido ou isento, diminuindo o custo total do empreendimento.
  • Incentivos urbanísticos: aumento do coeficiente de aproveitamento do solo, permitindo construir mais unidades em um mesmo terreno; redução de recuos obrigatórios; flexibilização de exigências quanto ao número de vagas de garagem; possibilidade de verticalização além dos limites usuais mediante descontos na outorga onerosa do direito de construir.
  • Flexibilização de requisitos legais: em muitos casos, a legislação municipal permite que empreendimentos HIS tenham exigências menos rígidas quanto a áreas comuns, lazer, acessibilidade e outros parâmetros urbanísticos.

Esses incentivos são fundamentais para viabilizar financeiramente projetos voltados à população de baixa renda, que, de outra forma, dificilmente seriam competitivos frente ao mercado imobiliário tradicional.

O desafio do correto enquadramento e a fiscalização

O caso recente de São Paulo, em que empreendimentos de alto padrão foram enquadrados como HIS em bairros nobres, evidencia um dos principais desafios do setor: garantir que os benefícios e incentivos cheguem, de fato, ao público-alvo das políticas habitacionais. O enquadramento indevido pode resultar em desvio de recursos públicos, distorção do mercado imobiliário e perpetuação das desigualdades urbanas.

De praxe, os municípios não possuem capacidade de fiscalizar ativamente se os incorporadores estão seguindo essa regra no decorrer da comercialização e entrega das unidades autônomas. A fiscalização do poder público, que acaba sendo feito pelo judiciário, é essencial para coibir fraudes e garantir a efetividade das políticas de HIS. Além disso, a transparência nos processos de aprovação, a participação social e o controle externo são mecanismos importantes para assegurar que os empreendimentos classificados como HIS realmente atendam às famílias de baixa renda.

O papel do planejamento urbano e das ZEIS

O planejamento urbano desempenha um papel central na promoção da Habitação de Interesse Social. As ZEIS, ao reservar áreas específicas para moradia popular, contribuem para a inclusão social, a redução da segregação urbana e a regularização fundiária de assentamentos precários. No entanto, é fundamental que a política de HIS não se restrinja apenas às ZEIS, permitindo a implantação de projetos em outras áreas da cidade e promovendo a diversidade social nos bairros.

A definição de ZEIS no Plano Diretor e no zoneamento municipal deve ser acompanhada de políticas integradas de infraestrutura, transporte, equipamentos públicos e serviços urbanos, garantindo que os moradores de HIS tenham acesso pleno à cidade e qualidade de vida.

HIS e o mercado imobiliário: oportunidades e responsabilidades

Para o setor da construção civil, a Habitação de Interesse Social representa tanto uma oportunidade quanto uma responsabilidade. Oportunidade porque, diante do déficit habitacional brasileiro, existe uma demanda constante por moradias acessíveis, especialmente em grandes centros urbanos. Responsabilidade porque o enquadramento correto dos projetos, o respeito às normas e a busca por soluções inovadoras são fundamentais para garantir que a HIS cumpra seu papel social.

Empresas que atuam nesse segmento devem estar atentas às legislações federal, estadual e municipal e estudar a fundo o Plano Diretor da cidade e as regras de zoneamento aplicáveis.

Arquis
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