Ainda vale a pena trabalhar com SPE na incorporação imobiliária?

Você ainda trabalha com a Sociedade de Propósito Específico (SPE) na Construção Civil? A SPE é um instrumento jurídico que se tornou o padrão da indústria no mercado imobiliário há muitos anos, que em partes perdeu sua eficácia e vem sendo adotado de forma genérica por muitas incorporadoras no mercado, sem fazer o devido levantamento técnico e jurídico dos benefícios de trabalhar ou não com SPE.

Por Matheus
24/01/2024

A Sociedade de Propósito Específico (SPE) é um padrão no mercado e vem sendo adotado nos empreendimentos imobiliários, pelas incorporadoras, há algumas décadas. Neste artigo, vamos fazer uma análise dos motivos pelos quais a SPE se tornou um padrão da indústria e uma análise de como, em muitos casos, existem mecanismos mais eficientes para serem adotados, em detrimento desta.

No contexto da incorporação imobiliária, a SPE se trata de uma empresa totalmente segregada da incorporadora, que acaba atuando como uma holding, ao pendurar nela suas obras em SPE. A SPE possui CNPJ distinto, estrutura jurídica própria, capital social, quadro societário e interesses próprios, todos podendo ser distintos da incorporadora. A SPE se distingue de uma empresa normal por ter prazo de existência, sendo este normalmente definido após ela cumprir o seu propósito que deve constar no contrato social. A SPE é utilizada em vários segmentos afora da Construção Civil, sendo regida pela Lei n° 11.079/04.

Por que a SPE foi adotada como padrão?

Alguns principais motivos levaram a SPE se tornar um padrão da indústria no mercado, sendo estes:

1°) Caixa Econômica Federal

A Caixa Econômica Federal costumava exigir para fazer alocação de recursos ou financiamento (da obra e/ou da habitação) que a obra tivesse uma SPE. Este ponto fez com que várias incorporadoras adotassem as SPEs como padrão, para pleitear recursos da Caixa, que possui mais de 67% de participação no mercado de financiamentos habitacionais.

2°) Segregação contábil

Muitas empresas adotaram a SPE visando a segregação, no plano contábil, dos custos e receitas, assim como ativos e passivos, do empreendimento, tendo uma visibilidade fotográfica na contabilidade da situação de cada obra, mas que onera consideravelmente a gestão, visto que na ocasião de ter 10 obras em andamento, incluindo a incorporadora nesse rol, são 11 empresas ativas, para lidar com todas as inúmeras obrigações assessórias, fiscais e contábeis existentes na legislação brasileira, com cada obra tendo anualmente seu próprio balanço patrimonial.

3°) Investidores

Como a SPE abre uma empresa apartada, é possível admitir sócios no quadro societário da obra, que não constam no quadro da incorporadora. Estes sócios podem, inclusive, ser administradores ou não, e ter a participação societária que for conveniente para o negócio.

4°) Ações trabalhistas

Já que cada obra traz uma empresa recém-aberta e nova, sem nenhum histórico de pagamentos, muitas empresas adotaram a SPE para fugir de multas por recorrência de ações trabalhistas, assim como uma pequena redução no FAP (Fator Acidentário de Prevenção) que onera a contribuição de INSS da empresa, de acordo com o seu histórico de acidentes de trabalho.

5°) Segregação patrimonial

Por muito tempo, adotou-se a SPE como forma de atingir uma separação do risco da obra e segregação patrimonial, com relação ao da incorporadora, trazendo um certo ar de segurança e isolamento ao empreendimento que está sendo tocado.

Certo, acima elencamos os principais motivos, com certeza não todos, que levaram a SPE para se tornar um padrão, mas é preciso analisar caso a caso, e entender que, no imbróglio complexo que é a legislação brasileira, não existe receita de bolo. A SPE é um mecanismo que existe e continuará existindo e em determinadas circunstâncias pode se demonstrar eficaz e necessário, ainda.

Desconstruindo estes motivos

Determinação do BACEN

A Caixa, por exemplo, já há alguns anos que não exige a abertura de SPE para alocar ou financiar empreendimentos, e sim exige o Patrimônio de Afetação, que se tornou regra geral para todos os bancos, definido pelo Banco Central do Brasil, na Resolução n° 5.055/2022. Basicamente, então, nenhuma instituição financeira brasileira, pode alocar recursos em incorporações imobiliárias, que não estejam abrangidas pelo regime de afetação.

Segregação patrimonial e contábil

Cada vez mais existem jurisprudências que trazem a descaracterização da personalidade jurídica, e no contexto das SPEs, trazem a incorporadora no polo passivo da ação, respondendo integralmente pelo que está sendo discutido judicialmente, caindo por terra o quarto item que mencionamos assim. Então, isso deixa claro que a SPE não se trata de uma forma eficaz de segregar o patrimônio e proteger o risco do negócio. O Patrimônio de Afetação é o único mecanismo que faz isso de forma eficaz, sendo que em caso de falência da incorporadora, o patrimônio do empreendimento e sua obra não entram na massa falida da incorporadora. Quanto à separação dos custos do empreendimento em detrimento ao da incorporadora, isto pode ser atingido através da contabilidade por centro de custo gerencial, que vem se popularizando cada vez mais com a constante evolução dos softwares de gestão (ERP) e softwares contábeis.

Investidores no negócio imobiliário

Adotar a SPE para trazer investidores só faz sentido caso esse investidor necessite ter poderes administrativos dentro do negócio, pois caso contrário os investidores podem ser admitidos através das Sociedades de Contas de Participação (SCP), mecanismo jurídico que existe há muitas décadas e atualmente regido pelos artigos 991 a 996 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/02).

Conclusão acerca do tema

Falamos muito do patrimônio de afetação neste artigo, que é o melhor regime tributário disponível para incorporações imobiliárias e deve ser adotado sem medo pelas incorporadoras, visto que é uma proteção adicional para o negócio. Claro que o regime de afetação pode ser adotado em conjunto com a SPE, mas a mera atitude do BACEN e da Caixa de não exigir a SPE e sim a afetação, demonstra de forma clara que a SPE por si só é um mecanismo ultrapassado e não contribui para garantir a segurança do negócio.

Na maioria dos casos, é recomendado que se abra o patrimônio de afetação na própria incorporadora e implemente uma boa contabilidade por centros de custos gerenciais, segregando em matriz, onde ficará as receitas e despesas administrativas da incorporadora, e um centro de custo para cada obra, tendo cada um seu balancete de verificação gerencial, permitindo ter a mesma visibilidade e gestão presente nas SPEs, ao se adotar contas bancárias segregadas, para devido isolamento do recurso nos termos que manda a lei. Esperamos que este artigo tenha contribuído para a análise crítica da função da SPE no mercado, que pela minha visão, vem sendo adotado, por muitos iniciantes no mercado, sem a devida compreensão destes aspectos, e sim apenas copiando o que se faz no mercado. Até mais!

Matheus
CTO da Softnix
Olá! Sou Matheus, co-fundador e diretor técnico da Softnix, que desenvolve e mantém o Arquis ERP. Com mais de 10 anos de expertise na área de incorporação imobiliária e construção civil, trago conteúdos técnicos e curiosidades dos mais variados temas que se relacionam com a Construção Civil, principalmente sobre gestão e tecnologia, e sempre de forma descomplicada e objetiva para gestores, estudantes e trabalhadores da área.